Emprego : Curso profissionalizante ou Curso Superior ?

Os mais escolarizados têm mais acesso à qualificação profissional

Pesquisa realizada para este primeiro Boletim Fundap-Cebrap mostra que o ensino profissionalizante e a qualificação profissional são tidos pela população como elementos fundamentais para o acesso ao mercado de trabalho, mas a oferta desses cursos é reduzida e, paradoxalmente, privilegia as camadas mais escolarizadas, em especial a que tem ensino superior. Os segmentos da população de menor renda e escolaridade, precisamente aqueles que mais precisariam do ensino profissionalizante para ingressar ao mercado e trabalho, não são atendidos pelas principais instituições que estruturam a oferta de qualificação. Trata-se de um quadro de baixa oferta e desigualdade de oportunidades que evidencia os grandes desafios que se colocam para as políticas públicas de educação, emprego e desenvolvimento social.
Exemplo da visão positiva com relação aos cursos profissionalizantes é o fato de 52,5% dos entrevistados terem concordado com a afirmação de que, hoje em dia, um curso profissionalizante é mais importante do que um curso universitário para a inserção no mercado de trabalho. A afirmação se sustenta como percepção majoritária em todos os estratos da população, especialmente entre aqueles com escolaridade até o ensino médio incompleto. Isso sugere certo esgotamento do curso superior como horizonte desejável para amplos segmentos da população.
Mas, em forte contraste com importância atribuída ao ensino profissionalizante, apenas 21,2% declararam ter tido acesso a alguma forma de qualificação nos últimos cinco anos e apenas 8,9% dos pesquisados estão matriculados ou fizeram um curso dessa natureza nos últimos 12 meses. A pesquisa, realizada em setembro na cidade de São Paulo, ouviu 1.122 pessoas com 18 anos ou mais. A amostra foi composta levando em consideração o perfil etário e representatividade socioeconômica em relação ao conjunto da população.
A quase totalidade (95,5%) dos ouvidos declarou que os cursos de qualificação ajudam a encontrar, melhorar ou preservar o trabalho e a renda. Uma elevada proporção (46%) disse ter a intenção de fazer um curso desse tipo em breve. Dos que se declararam desempregados, 56,1% expressaram a vontade de fazer um curso de qualificação em breve, 29,5% dos ocupados e 26,4% dos inativos declararam essa mesma intenção.
A população que atribuiu uma maior importância aos cursos de qualificação e ensino profissionalizante em relação aos cursos universitários corresponde majoritariamente à parcela com rendimento mais baixo – 42,1% tinham até um salário mínimo de renda familiar per capita; 36,2%, de 1 a 3 salários mínimos; 10,3%, de 3 a 5 salários mínimos; 7,4% , de 5 a 10 salários mínimos; e apenas 3,3%, mais de 10 salários mínimos.
O padrão se repete para escolaridade. Dentre os pesquisados com 0 a 3 anos de escolaridade, apenas 24,6% discordam da afirmação de que cursos profissionalizantes são mais importantes do que cursos universitários, sendo que 46,2% dos que possuem 15 anos ou mais de escolaridade discordam dessa afirmação, conforme mostra o gráfico abaixo.

Dados da Fundap
Dados da Fundap

boletim cebrap-fundap

Barreira da escolaridade

A escolaridade é o fator que mostra mais claramente a desigualdade: 41% dos que possuem ensino superior fizeram algum curso nos últimos cinco anos, ao passo que menos de 9% daqueles com baixa escolaridade (mais de 3 a 7 anos de estudo) tiveram acesso à qualificação profissional. O gráfico, abaixo, mostra a relação direta entre acesso a cursos de qualificação e escolaridade.

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A pesquisa apontou uma escala de valorização das instituições que oferecem cursos de qualificação profissional. Os cursos do chamado Sistema S (Sesc, Sesi, Senai etc.) são os mais apontados como de melhor qualidade, em contraste com os cursos de associações comunitárias, escolas especializadas, igrejas, ONGs e comércio de varejo (perfumarias, mercados etc.), que oferecem principalmente “cursos livres”, em geral não submetidos a regulamentações específicas e/ou não credenciados.
Parcela expressiva dos entrevistados (41,5%) afirmou que faria um curso de qualificação no Sistema S – as faculdades ou universidades aparecem em segundo lugar, com 25,7%. A metade dos pesquisados que tiveram experiência com o Sistema S e com o ensino superior revelaram-se satisfeitos com os cursos que realizaram, pois voltariam a estudar nessas entidades. Em contrapartida, dos entrevistados que fizeram cursos de qualificação em associações, igrejas, no comércio ou em escolas especializadas (como de informática e línguas), nenhum declarou que voltaria a fazer seu curso em uma dessas entidades. Nesses casos, as escolhas se dariam no sistema S, nas faculdades s e em cursos que, no entendimento dos entrevistados, poderiam ser oferecidos pelo governo. O gráfico abaixo detalha essa questão.

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Há também uma percepção dos benefícios obtidos em termos de inserção no mercado de trabalho associada às instituições que oferecem os cursos. O gráfico abaixo mostra que os melhores benefícios em termos de obtenção de emprego estão associados a cursos do Sistema S e de escolas do ensino superior. Mostra também que os efeitos percebidos variam conforme o tipo de instituição: universidades aparecem mais associadas à promoção de emprego, sugerindo se tratar de um público que estuda enquanto trabalha; obviamente, as opções de qualificação oferecidas por firmas e sindicato guardam maior relação com a preservação do emprego. Por sua vez, e a despeito de sua baixa qualidade, os “cursos livres” mostram certa associação com o incremento de renda.

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Os mais excluídos
O cruzamento das percepções de qualidade com as condições de renda e escolaridade mostra um quadro particularmente perverso em termos de acesso aos melhores cursos. São justamente os mais pobres, com menos escolaridade e com necessidade premente de qualificação que tendem a cursar as instituições menos prestigiosas – 44% dos que fizeram seu curso em associações, igrejas, comércio e escolas tinham até um salário mínimo como renda familiar per capita.
Assim não é por acaso que essa população insatisfeita com a qualidade revele uma demanda mais elevada por cursos oferecidos pelo governo – a metade da população que realizou cursos menos prestigiosos faria algum curso oferecido pelo poder público. Nesse sentido, a opção de vir a realizar um curso ofertado pelo governo refere-se, mais do que ao conhecimento de cursos específicos dessa natureza, ao desejo dessa população de realizar um curso gratuito e à confiança na qualidade dessa opção por oposição à sua experiência nos “cursos livres”. De fato, a pesquisa mostrou que há um grande desconhecimento dos programas orientados a ampliar o acesso da população à qualificação profissional. Somente 20,5% dos pesquisados declararam conhecer algum programa, mas mais da metade deles não sabia ou não respondeu qual era o programa.

A manifestação de interesse em realizar cursos de qualificação/capacitação profissional está relacionada com os benefícios percebidos pela população em termos de inserção no mercado de trabalho, sobretudo, da população mais vulnerável em termos socioeconômicos. A maioria dos ouvidos (61,7%) declarou algum efeito percebido dos cursos em termos de acesso ao mercado de trabalho, promoção no cargo ou aumento da renda. Além disso, da população que declarou que o curso ajudou a obter emprego, 80% estavam ocupados.
Um aspecto importante está relacionado à empregabilidade da população mais pobre e menos escolarizada que teve acesso à qualificação profissional.
Como se observa no gráfico, a seguir, do grupo de 4 a 7 anos de estudo e que fez algum curso nos últimos cinco anos, 87,5% estavam ocupados, ao passo que os que nunca fizeram e tinham o mesmo nível de escolaridade, apenas 53,4% estavam ocupados. Trata-se de um forte indicador de que a qualificação é elemento fundamental na melhoria da inserção de trabalho da população em piores condições sociais. Conforme mostrado no último gráfico, a relação positiva se mantém, embora atenuada, para indivíduos de escolaridade média. No grupo de escolaridade de 8 a 10 anos de estudo, a proporção de indivíduos que estavam ocupados e fizeram curso superava a proporção dos que não tinham feito.

boletim cebrap-fundap

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Conclusões
A grande tarefa que se coloca para as políticas voltadas ao setor é, portanto, a ampliação da oferta conjugada a melhores condições de acesso para as camadas da população em situação menos favorável em termos de renda e escolaridade. Se os desafios podem ser facilmente resumidos, sua solução não é trivial.
Com relação à escolaridade, é importante notar que ela representa a maior barreira, pois a qualificação de qualidade pressupõe um determinado nível escolar para sua assimilação. Isso ressalta a necessidade de o ensino profissionalizante guardar uma estreita relação de complementaridade com o ensino básico. Mas não se pode ignorar que há contingentes importantes da população com baixa escolaridade e renda e que necessitam de alguma qualificação para sustentar suas famílias. Para esses, é necessário que haja uma oferta de qualificações possíveis, pouco complexas, porém eficazes para habilitar a uma ocupação. Uma política desse tipo poderia visar a ampliação do acesso dos menos escolarizados às boas instituições de treinamento que, por sua vez, poderiam ser induzidas a criar programas especiais para esses segmentos, inclusive complementados pelo ensino supletivo de educação básica. O ideal é que o desenho de tais programas conte com parcerias.
Os desafios, não há dúvida, são grandes. A diversidade de públicos e instituições e das formas como ambos se relacionam com o mercado aponta para a inviabilidade de pensar em estratégias únicas. Mas é preciso ressaltar que o foco dado pelo governo do Estado de São Paulo para o ensino profissionalizante e a qualificação profissional segue na direção correta do atendimento de uma demanda social prioritária. O aumento de vagas nos cursos do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, a ampliação do número de Faculdades de Tecnologia (Fatecs) e o Programa Estadual de Qualificação Profissional (PEQ) representam, sem dúvida, um avanço valioso e uma referência em nível nacional.

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